O gosto antigo pela leitura
Li muito na viragem da infância para a adolescência e por toda a adolescência. Lia o que me vinha à mão, incluindo muitos policiais, de que gostei até perto dos meus vinte e cinco anos. Cheguei a ler dois policiais num só dia, esses exemplares da coleção de bolso dos Livros do Brasil, que publicava os clássicos do género. Já jovem adulto, gostava sobretudo de Simenon e do seu Inspetor Maigret.
Requisitei, vivendo no Algarve, em Ferragudo, muitos livros na biblioteca itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian. Sem as bibliotecas itinerantes, teria lido muito menos nesses anos.
Eram umas carrinhas de cor cinzenta, prateada talvez, se a memória não me trai, e não é o meu forte a memória visual. Hoje é-me impossível dizer que livros eu terei lido nessa altura. Suponho, desculpado o possível exagero, que de quase tudo o que por lá tinham, que seriam sobretudo romances. Haveria decerto muitos livros próprios para a minha idade, fim da infância e princípio da adolescência, mas também muitos outros. Li romances históricos, sem dúvida Walter Scott, embora me não lembre de nenhum enredo em particular, mas vagamente daquelas paisagens com árvores, sombras e uma atmosfera de romantismo.
Por volta dos catorze ou quinze anos tornei-me membro do Círculo de Leitores, no qual me mantive alguns anos, e tive então a oportunidade de escolher livros procurando guiar-me pelas poucas luzes que possuía e o entendimento ingénuo.
E sempre comprei livros, mais ainda quando comecei a trabalhar. Hoje leio muito menos, e muito devagar, e não tenho já espaço em casa, de forma que tive de render-me aos dispositivos de leitura eletrónica, em que leio a maior parte dos textos, mas não todos.
O cinema (dos 18 aos 35 ou 40 anos)
Tive a paixão do cinema e a sorte de ser adolescente e jovem adulto quando eram vivos ainda alguns dos grandes mestres italianos, que mesmo hoje representam para mim o momento mais alto da história do cinema, segundo o critério, que é o meu, da estética e da liberdade artística, a que atribuo grande valor. Quem pertença à minha geração, ou seja uns anos mais velho, sabe que não seria possível fazer filmes assim nos nossos dias. Se não faltasse o dinheiro, mas faltaria, a ditadura do politicamente correto haveria de impedir qualquer tentativa de liberdade, que existia por esse tempo.
No Algarve, com doze ou treze anos, já ia regularmente ao cinema, mas foi em Lisboa, estudante universitário, que comecei a ver filmes com critério e a conhecer autores e cinematografias, os mencionados italianos, por exemplo, de que Fellini sempre foi o meu favorito, mas também os demais realizadores de fama do cinema transalpino: Visconti, Rossellini, Pasolini e outros.
Do cinema francês, nomeadamente da sua nova vaga, com Godard como corifeu, gostava menos, mas também vi os filmes. E gostava muito do sueco Ingmar Bergman, certamente um dos grandes realizadores do seu tempo. Sempre gostei menos do cinema americano que do europeu. Esses anos, não se esqueça, foram um período de grande pujança das cinematografias europeias.
Frequentei muito a Cinemateca Portuguesa. Não era raro, pelos anos de oitenta, ir a duas sessões da Cinemateca a um sábado, e uma ou duas vezes vi os três filmes mostrados nesse dia.
Hoje raro vejo um filme, e, se acontece, quase sempre é um filme antigo em apresentação em qualquer ciclo. Os meus interesses intelectuais reduziram-se e concentraram-se, e atualmente consistem quase só na leitura.
As línguas
Interessam-me as línguas. No entanto, como na vida aparentemente nada fiz como deveria ter feito, não procurei estudar línguas quando tinha uma memória privilegiada, mas mais tarde, já com trinta anos ou mais, quando, na sequência de mais de uma década de insónias, a minha velha memória entrara em colapso, processo que se acentuou.
E é assim que, além do francês e do inglês, que a minha preguiça me consentiu aprender em novo, sei tão-só alemão, algum italiano e o espanhol, que até certo nível não é difícil a português algum, tendo falhado as tentativas nas outras línguas. Porque não gosto de repetir exageros comuns, não diria falar fluentemente nenhum idioma senão o português, nem mesmo o alemão, de que não gosto especialmente, mas é a língua estrangeira que conheço melhor.
Do russo, que procurei aprender, sei muito pouco; do grego moderno, a mesma coisa. E tenho, além disso, algumas noções de sueco e até de finlandês, sendo este último idioma de outro grupo, o hungro-finlandês, o qual não pertence à grande família de línguas europeias, as indo-europeias.
Das línguas clássicas tenho uns rudimentos de latim, que não me consentem grande coisa, e uma noção muito vaga da gramática do grego antigo, de que o grego moderno derivou, com muita simplificação ao longo do tempo.
Não é grande coisa, portanto, e são apenas línguas europeias.
A Literatura
Também me interessa a literatura. Sempre me interessou, de resto. Na nota biobibliográfica dou algumas indicações das minhas preferências, que retomo aqui.
Leio sobretudo autores consagrados, quase todos mortos já, e gosto em especial da literatura de meados do século XIX a meados do século XX. No século XIX, com exceção de Dickens (de que não tenho paciência para a maior parte das obras, mas gostei muito dos Pickwick Papers), aprecio mais os autores franceses. No século XX há autores franceses e americanos, mas também de língua alemã, como Thomas Mann ou Hermann Broch, que me suscitam interesse.
Na literatura portuguesa, referiria, na prosa, Camilo Castelo Branco e Aquilino Ribeiro, mas também Rodrigues Miguéis e Carlos Oliveira, e gosto de ler também a poesia deste último.
Entre os poetas portugueses destacaria aqui Camilo Pessanha e Fernando Pessoa, e entre os internacionais Antonio Machado e Rainer Maria Rilke.
A Política
Na política sou liberal, coisa muito incompreendida e não raro difamada. Não faz mal; talvez seja melhor assim.
Embora tenha uma grande admiração por Kant, que decerto foi um dos maiores filósofos de todos os tempos, e o tenha como poderosa fonte de inspiração, nas ideias políticas prefiro o realismo do pensamento anglo-americano, com John Locke, David Hume e John Stuart Mill, por exemplo, mas também os austríacos Hayek e Popper, que se inseriram na mesma tradição reformista de defesa da liberdade com bom-senso, rejeitando aventuras e mais ainda os totalitarismos, qualquer que seja a sua inspiração.
Sobre tudo isto se pode ler alguma coisa na nota biobibliográfica.
Conceção religiosa
Antes de mais, não seria descabido compenetrarmo-nos do muito que devemos a quantos passaram antes de nós por este vale de lágrimas. E assim, com todo o meu individualismo, não deixo de reconhecer que o mundo existia já antes de eu ter vindo a ele, e a língua portuguesa, que é a minha, era falada desde há séculos.
Com isto pretendo recordar que nascemos num determinado tempo, família, num certo complexo de crenças e opiniões. Eu nasci no mundo cristão, apesar do fascínio que o chamado paganismo, na sua expressão greco-latina, exerce sobre mim. Sou cristão evidentemente, em parte pelo menos, porque não posso nem quero fugir a essa determinação da minha existência. Sou, porém, mais do que isso.
Sou neoplatónico, poderia dizer, falando de filosofia e teologia, muito embora esteja longe de ser grande conhecedor, menos ainda especialista, destes domínios.
O neoplatonismo, de que falo, é uma entre várias correntes da tradição ocidental, mas para mim muito inspiradora. Remontando a Platão, em que esta escola, se assim a quisermos chamar, vê a sua origem ou fonte primitiva, poderia mencionar o diálogo Fédon, que considero sublime de graça e equilíbrio.
Deixando a Europa, certo pensamento hinduísta ou budista, muitas vezes chegado ao continente europeu em versão mais ou menos esotérica, conflui no meu neoplatonismo, que acabo de mencionar sumariamente. A Ásia milenar provavelmente entendeu muito mais cedo, e mais profundamente, que os ocidentais as constantes e verdades fundamentais da condição humana, como aliás terá sido pioneira em muitos outros campos.
Tudo isto, no fundo, significa que estou convencido de que o ser humano tem uma natureza dupla, física e espiritual, e que o espírito não acaba com a morte do corpo, antes permanece e pode voltar à carne noutro invólucro corporal.
